28 de novembro de 2010


Gênio ruim

I – Segunda-feira, 14 de junho de 2010 – 07h49min

- Ei!
         O professor saiu de seu transe magisterial, interrompendo a fala no meio. Olhou para a porta, e lá estava uma loira baixinha sorrindo hesitante e apontando para algum dos alunos da frente:
- Será que eu posso falar com ele por um instante?
         O professor apenas acenou com a cabeça, e o aluno apontado se levantou. Chegou onde a loira estava, e os dois saíram andando pelo corredor lado a lado, afastando-se da sala. Pararam, e ela sorriu da maneira mais simpática que podia.
- Oi, meu nome é...
- Diana, eu sei.
         Por um segundo, o sorriso de Diana tremeu, mas logo voltou ao simpático.
- Você é o Samuel, não é? Bem... eu preciso de um favor.
         Ele ergueu uma das sobrancelhas.
- Por que eu te faria um favor?
         O sorriso de Diana sumiu; ela já esperava essa reação, devido às circunstâncias:
- A gente nem se conhece direito... apesar de estudarmos juntos há anos.
- Ah... fazer novos amigos é sempre bom, né?
         Ela sorriu de novo, mas a expressão de Samuel se manteve impassível. Ela fingiu ajeitar a franja para não ter que olhá-lo diretamente, ao mesmo tempo em que ele encostou-se à parede mais próxima.
- Hã, bom, eu ouvi dizer que você toca alguns instrumentos.
- Toco.
- E que você sabe compor...
- Sei.
- Então, eu preciso de ajuda...
- Você já disse isso.
- Ah, é... quer dizer, eu preciso compor uma música até sexta-feira.
         A expressão de Samuel mudou, finalmente, de entediada para surpresa.
- Hoje é segunda.
- Eu sei, mas é que eu passei as últimas semanas me esforçando para escrever sozinha, sem conseguir...
         Ele não respondeu; ela se desesperou um pouco.
- Por favor, você é o único da escola que não está participando deste maldito concurso de talentos, e eu realmente quero ganhar, e eu estou precisando dessa ajuda, e... será que dá para você falar um pouco mais? Conversar com as suas expressões é meio difícil.
         Apesar do pedido, ele ficou totalmente sem fala. Seus olhos estavam arregalados, e sua boca, entreaberta. Ela continuou:
- Vê-se que você tem o gênio ruim.
- Ah. Agora eu tenho o gênio ruim. Certo.
- Você elaborou mais de um período de uma vez só.
         Ele bufou; ela suspirou. Apesar de não ter se apaixonado pela personalidade de Samuel, Diana ainda precisava da ajuda dele.
- Olha, desculpa. Eu preciso compor isso logo. Vai me ajudar ou não?
- Vou pensar.
         “Idiota”, ela pensou. Não havia nem resquício do sorriso de simpático de minutos atrás.
- Eu preciso saber se você vai me ajudar agora.
         Ele a olhou como se fosse uma criança pedindo alguma coisa.
- OK. Onde você quer me encontrar?
         Por dentro, ela quase estourou de alegria e alívio. Por fora, ela tentou se manter inalterada pela notícia.
- Pode ser na minha casa, fica...
- Eu sei onde fica. A que horas?
- Que tal às três?
         Ele acenou que sim com a cabeça e voltou à sala, deixando-a sozinha no corredor. Ela revirou os olhos e foi embora também.

II – Sexta-feira, 18 de junho de 2010 – 09h35min

         Diana e Samuel estavam na sala de música da escola, sozinhos. Todos os presentes na escola estavam no pátio, assistindo às apresentações do concurso, enquanto os dois estavam ali, escondidos, terminando de escrever a música que Diana iria apresentar.
- É melhor mudar esse verso.
- Eu já mudei isso várias vezes, por que você não tenta mudá-lo?
- Porque você é quem vai cantar, estou só ajudando.
- Você vai me ajudar muito se eu puder parar de ouvir que esse mesmo verso está ruim por várias vezes seguidas.
         Ele deu um meio-sorriso. Durante aquela semana, parecia a Diana que ele era incapaz de achar graça ou se sentir feliz com alguma coisa. Ela decidiu não remarcar o fato.
- Bom, eu acho que está na hora de finalizar essa música.
- Ainda não está boa.
- Pode até ser, mas não dá tempo de fazer mais coisas, eu não vou conseguir lembrar a minha própria letra.
         O meio-sorriso sumiu. Samuel colocou o violão de lado.
- Pelo menos é uma evolução do que você tinha “se esforçado” para escrever.
- Você está dizendo que eu não sei escrever?
- Digamos que você se classificaria, no máximo, como maestrino.
- Por que você acha que é tão bom, assim?
         O meio-sorriso voltou. Ela finalmente tinha descoberto o que lhe fazia rir.
- Eu acho que sou bom porque eu sou.
- Ah, sério? Que legal.
- Vai me dizer que eu não fiz nenhuma diferença para você?
- Toda.
         Ela sorriu para ele; eles ficaram se olhando por alguns instantes, até que...
- SOLICITAMOS QUE TODOS OS PARTICIPANTES DO CONCURSO ESTEJAM PRESENTES NOS BATISDORES. SOLICITAMOS QUE TODOS OS PARTICIPANTES DO CONCURSO ESTEJAM PRESENTES NOS BASTIDORES.
         O alto-falante não parava de repetir essa frase. Diana se levantou um pouco atrapalhada.
- Eu preciso ir. Antes que todos fiquemos surdos...
         Ela recolheu as folhas que estavam espalhadas em cima de uma mesa, e andou até a porta. Antes de sair, se virou para Samuel:
- Obrigada. Você me ajudou bastante.
         Ela saiu correndo. Ele ficou observando o lugar onde ela estava.

III – Sexta-feira, 18 de junho de 2010 – 13h57min

         Samuel estava sentado sozinho em uma cadeira. Há meia-hora, aquele lugar estava apinhado de gente.
- Ei.
         Ele olhou para trás: lá estava Diana, sorrindo para ele.
- Nós não ganhamos, não é?
- Você não ganhou.
         Ela se sentou ao lado dele.
- De qualquer forma, valeu a pena.
- Por quê?
         Ele olhou para ela, intrigado.
- Bom, no final disso tudo, eu tenho uma música ótima para gravar e postar no Youtube, e eu tenho um novo amigo.
         Ela sorriu para ele. Mas a expressão intrigada dele se desfez.
- Eu acho que nem tanto.
         Dessa vez, foi o sorriso dela que se desfez.
- Como assim? A gente escreveu uma música juntos!
         Ele não respondeu. Ela se levantou, falando mais alto:
- Qual é a sua intenção com isso, me humilhar?
         Ele continuou sem responder.
- Será que é por isso que ninguém nunca te vê com amigos aqui? Você gosta de tratar todos que aparecem na sua frente assim?
         Ele estava impassível. Como sempre. Ela olhou para ele e respirou um pouco. Voltou a falar baixo:
- Olha, se você estiver disposto a abrir mão dessa atitude, me procure. Se não, me esqueça.
         Ela bufou um pouco, enquanto ele apenas a olhava.
- Muito obrigada pela música. Gostaria de ter a chance de escrever mais com você.
         E saiu batendo os pés e respirando fundo.
         Samuel ficou ali, olhando. Não admitira, mas desejou ir atrás de Diana. Pedir desculpas ou sei lá o quê. Continuar encontrando-a todos os dias para escrever. Não. Não.
         Decidiu ir embora. Viu Diana atravessando o portão da escola, ainda batendo os pés. Talvez aquela fosse a hora de ir falar com ela. Se bem que nem ele sabia o porquê de querer ir falar com ela. Ora, eles se conheciam havia cinco dias. Ele finalmente ficaria sozinho pela primeira vez na semana.
         E agora estava mais confuso ainda: não queria ficar sozinho. Mas, àquela altura, ela já tinha ido embora. Certo.
         Ele finalmente ficaria sozinho pela primeira vez na semana. Aliás, sozinho não: acompanhado, mas apenas de seu mau humor e de seu gênio ruim. Malditos.

Por Daniel.

* Tomara que não tenha ficado especialmente ruim. Quer dizer, eu tentei, né? :)

2 comentários:

  1. Adorei!
    Eu que vejo Glee em toda parte ou tem alguma leve influência aí?
    Se tiver, eu gostei ainda mais.

    ResponderExcluir
  2. Eu não tenho paciência de ver Glee na Warner nem de baixar ):

    Mesmo assim, a-do-rei. Sério mesmo. Não ficou nem um pouquinho ruim :D

    E eu me vejo em toda parte nesse texto, é.

    ResponderExcluir