Toque
No início de tudo, as coisas eram
bem, bem mais confusas.
A Terra explodia em cores e vida, sem entender
sua própria fartura; o Ar se expandia em todas as direções, sem rumo,
correndo sem objetivo ou vontade de parar; o Sol demorou tempos e tempos até se
acostumar com seu próprio brilho, só pra depois descobrir as outras Estrelas
cintilando em volta dele, ininterruptas, partes de um todo sem limite.
O processo foi parecido com o Oceano e o Céu, mas estes
tiveram uma pequena variável, uma diferença sutil com um desenrolar monstruoso.
Céu e Oceano não se deram conta de sua existência particular – eles se descobriram.
Os dois se fitavam naturalmente, um pairando sobre o outro,
se encarando sem querer. Se espelhando. Suas tonalidades azuis e cinzas
se coincidindo e as nuvens viajando por cima das ondas, descompromissadas. Ao mesmo tempo iguais e ao mesmo tempo opostos
– o Oceano frio e Céu irradiando calor, um sustentando-se lá em cima, a se
perder de vista, e o outro o ecoando para dentro da terra, infiltrando-se pelas
profundezas sem conhecer um fim.
Não demorou muito para acontecer o
inevitável, o que as Estrelas já cochichavam, a Terra escondia, o Ar espalhava
e o Sol testemunhava; Oceano e Céu se apaixonaram de uma forma tão ampla e
poderosa quando a existência deles mesmos, com uma força mais arrebatadora do
que se tinha notícia até então.
Não adiantava, no entanto, o quanto Oceano
esticasse suas ondas numa tentativa desesperada de alcançar Céu, tornando-as tão
gigantescas quanto montanhas, ou a quantidade de nuvens que Céu tentava
acumular para encostar em Oceano. Pediam ajuda ao Sol, que espreguiçava seus
raios passando por eles, e até ao Ar, que passeava sem escrúpulos pelos dois.
Ninguém pode ajudar, disseram. Ninguém pode mudar os lugares onde Oceano e
Céu nasceram, longe um do outro mesmo que dolorosamente próximos. Aquela
distância não era nada para eles, é verdade; mas ninguém queria discutir com o status quo. E uma das verdades determinadas
era que Oceano e Céu não podiam se tocar.
Ou, pelo menos, não eram destinados a fazê-lo.
Os apelos foram diminuindo, o Sol
voltou a irradiar seus raios sem culpa, o Ar voltou a soprar com força e os
demais elementos levavam suas existências como era suposto fazer.
Até que um dia, inicialmente em silêncio, Céu
deixou cair uma lágrima, salgada e líquida feito o Oceano, clamando por sua presença. Os demais pararam para observar, atônitos.
Mais e mais lágrimas Céu deixou cair até causar um pouco de furor; Oceano se movimentou, arisco, voltando a erguer
suas ondas de encontro às lágrimas. Água e água se chocavam – ping, ping, ping, ping. Cada vez mais
fortes e abundantes, as lágrimas caíam lá de cima sem cessar. Raios de luz
salpicaram o Céu, alegre em ver Oceano respondendo com a altura de suas águas,
sentindo que partes suas se chocavam com as do outro. Finalmente, ambos
pensavam, uma espécie de interseção entre nós.
Os pingos de lágrimas de Céu agora vinham com
mensagens – teamo teamo teamo teamo,
mas os outros só ouviam o som de fluidos se chocando. Oceano nunca antes tinha
ficado tão inquieto, tão alegre, cheio de furor e vontade, ecoando as mensagens
dos pingos de Céu com o bater de suas ondas.
E é dessa forma que eles se tocam: na chuva.
Seja na garoa ou na tempestade, Céu e Oceano
se amam de várias formas desde então. E foi aí que as coisas começaram a fazer mais
sentido.
(esse conto é inspirado nessa tirinha AQUI, feita pelo Biel Gomes, quadrinista da "Quadrinhos incompletos").
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