2 de março de 2013



Toque

             No início de tudo, as coisas eram bem, bem mais confusas.

A Terra explodia em cores e vida, sem entender sua própria fartura; o Ar se expandia em todas as direções, sem rumo, correndo sem objetivo ou vontade de parar; o Sol demorou tempos e tempos até se acostumar com seu próprio brilho, só pra depois descobrir as outras Estrelas cintilando em volta dele, ininterruptas, partes de um todo sem limite.

O processo foi parecido com o Oceano e o Céu, mas estes tiveram uma pequena variável, uma diferença sutil com um desenrolar monstruoso. Céu e Oceano não se deram conta de sua existência particular – eles se descobriram.

Os dois se fitavam naturalmente, um pairando sobre o outro, se encarando sem querer. Se espelhando. Suas tonalidades azuis e cinzas se coincidindo e as nuvens viajando por cima das ondas, descompromissadas.  Ao mesmo tempo iguais e ao mesmo tempo opostos – o Oceano frio e Céu irradiando calor, um sustentando-se lá em cima, a se perder de vista, e o outro o ecoando para dentro da terra, infiltrando-se pelas profundezas sem conhecer um fim.

Não demorou muito para acontecer o inevitável, o que as Estrelas já cochichavam, a Terra escondia, o Ar espalhava e o Sol testemunhava; Oceano e Céu se apaixonaram de uma forma tão ampla e poderosa quando a existência deles mesmos, com uma força mais arrebatadora do que se tinha notícia até então.

Não adiantava, no entanto, o quanto Oceano esticasse suas ondas numa tentativa desesperada de alcançar Céu, tornando-as tão gigantescas quanto montanhas, ou a quantidade de nuvens que Céu tentava acumular para encostar em Oceano. Pediam ajuda ao Sol, que espreguiçava seus raios passando por eles, e até ao Ar, que passeava sem escrúpulos pelos dois. Ninguém pode ajudar, disseram. Ninguém pode mudar os lugares onde Oceano e Céu nasceram, longe um do outro mesmo que dolorosamente próximos. Aquela distância não era nada para eles, é verdade; mas ninguém queria discutir com o status quo. E uma das verdades determinadas era que Oceano e Céu não podiam se tocar.

Ou, pelo menos, não eram destinados a fazê-lo.

          Os apelos foram diminuindo, o Sol voltou a irradiar seus raios sem culpa, o Ar voltou a soprar com força e os demais elementos levavam suas existências como era suposto fazer.

Até que um dia, inicialmente em silêncio, Céu deixou cair uma lágrima, salgada e líquida feito o Oceano, clamando por sua presença. Os demais pararam para observar, atônitos.

Mais e mais lágrimas Céu deixou cair até causar um pouco de furor; Oceano se movimentou, arisco, voltando a erguer suas ondas de encontro às lágrimas. Água e água se chocavam – ping, ping, ping, ping. Cada vez mais fortes e abundantes, as lágrimas caíam lá de cima sem cessar. Raios de luz salpicaram o Céu, alegre em ver Oceano respondendo com a altura de suas águas, sentindo que partes suas se chocavam com as do outro. Finalmente, ambos pensavam, uma espécie de interseção entre nós.

Os pingos de lágrimas de Céu agora vinham com mensagens – teamo teamo teamo teamo, mas os outros só ouviam o som de fluidos se chocando. Oceano nunca antes tinha ficado tão inquieto, tão alegre, cheio de furor e vontade, ecoando as mensagens dos pingos de Céu com o bater de suas ondas.

E é dessa forma que eles se tocam: na chuva.

Seja na garoa ou na tempestade, Céu e Oceano se amam de várias formas desde então. E foi aí que as coisas começaram a fazer mais sentido.





(esse conto é inspirado nessa tirinha AQUI, feita pelo Biel Gomes, quadrinista da "Quadrinhos incompletos").

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