Feliz? Natal
- Pronto. –
liguei o pisca-pisca na tomada e a árvore começou a cintilar.
- Parece
carnaval. – ele franziu a testa, observando o cone verde de cima a baixo e
parando de zapear a TV pela primeira vez em cinco horas.
Revirei os
olhos, exausta. Faltavam duas horas para os convidados chegarem para a ceia. O
peru infestava o apartamento com ar de manjericão e ervas finas e aquilo tinha
cheiro de problemas em iminência. Durante o dia todo eu tinha trabalhado feito
uma escrava para dar um jantar que nem tinha sido ideia minha.
Lembrava-me
das minhas histórias de pré-relacionamento sério. Era tudo tão bonito. O
coração que batia mais forte, esperando um olhar que poderia vir ou não, um
beijo que poderia acontecer ou não. Agora, todos os dias eu chegava em casa,
exausta, e lá estava ele com os pés pra cima, lendo jornal ou vendo um
documentário sobre a importância dos bebês-foca pro funcionamento natural das
fábricas de colchões. Não havia mais surpresa, não havia mais aquilo que me
prendia e me queria ver e esperar pelo mais. Não havia mais primeiros beijos,
suspiros ou o que me fazia ter vontade de ligar pras amigas de madrugada. Ele
era o meu lugar comum e minha rotina.
Olhei a sala e
a única coisa que eu tinha pedido pra ele fazer (juntar os jornais espalhados
na mesinha de centro) continuava como se não houvesse sido dita uma palavra
sobre aquilo.
- AHR! – urrei,
jogando no chão o pano que carregava nos ombros. Marchei firme até o quarto e
bati a porta.
Deitei na cama
e cobri os olhos com um dos braços. Conseguia sentir as gotas quentes de ódio
encharcando meu punho. Então era isso, depois de quatro anos e meio (nem era
tanto tempo assim, meu Deus!), a gente finalmente chegara ali.
Vê: nos
tornamos tão corriqueiros que o que me restou para criar uma história foi a
minha crise histérica na véspera de Natal. Isso me fez chorar mais. Ouvi o som
da porta se abrindo.
- Sai daqui.
Passos na
minha direção.
- Sai.
A cama se
afundou um pouco ao meu lado.
- Sai.
- O que você
está fazendo? – ele disse, calmo.
- Imaginando como
seria se você não estivesse aqui.
- Por que você
tá tão nervosa? – aquele tom de voz! Cristo, ele nunca aprendia, não é mesmo?
- Sai.
Ele se
levantou e saiu. Assim mesmo. Ele não lutava por mim mais, simplesmente cansou.
E me cansou junto. Arrastei meu corpo lento até o guarda-roupa e levei o
vestido que tinha separado pra usar naquela noite até o banheiro. Sentei no
canto do box e deixei a água do chuveiro carregar meu cheiro de comida e todo o
peso que nunca ia sair dos meus ombros, enquanto eu cismasse em brigar comigo
mesma por um relacionamento morto desde o momento em que decidimos dividir um
apartamento.
- Estamos nos
“juntando”? – sorri, imaginando que aquele fosse o primeiro gesto que
mostrassem que ele realmente me queria para todo o sempre, assim como eu o
queria.
- É – ele riu.
–, pode ser...
“Pode ser”. Eu
devia ter visto ali que o que ele queria mesmo era alguém pra dividir o
aluguel, não uma companheira. Eu já devia ter aprendido.
Sair da
posição fetal precisou da força de cinco mil exércitos e mover cada músculo
parecia uma tarefa que precisaria de quatro noites de sono pra recompensar.
Quando enfim consegui me deixar minimamente apresentável, o relógio se
esganiçou e percebi que faltavam trinta minutos pros convidados chegarem.
Respirei fundo e abri a porta. Ao meu primeiro passo, chutei algo contra a
parede do corredor. Meu coração fez que ia acelerar quando baixei os olhos ao
nível do chão e uma caixinha pequena estava lá, me observando.
Passei direto
por ela, eu não queria abrir e descobrir um par de brincos. Entrei na sala. Os
jornais estavam organizados. Continuei andando, meu coração continuava da mesma
forma. Passei por mais uma porta e me vi na cozinha. Tudo o que me faltava
fazer estava pronto. O peru já tinha sido tirado do forno, a salada estava
montada, as comidas em tigelas bonitas. Não me impressionei, continuava
apática. Me servi de uma taça de vinho, guardei a garrafa em seu lugar de
origem e me voltei à porta, pronta pra sentar no sofá e esperar as pessoas. Ou
a morte. Ou uma briga colossal. O que viesse primeiro. Mas ele estava lá,
parado. O cabelo curto ainda meio molhado do banho, vestia a roupa que tínhamos
comprado juntos, numa das últimas vezes que parecemos um casal. Não sorria.
Olhava a caixinha em suas mãos.
- Você não
quer?
- Não preciso
de brincos. – tomei toda a minha taça e já abria a garrafa de novo para o
refil.
- Não são
brincos.
- Pulseira,
que seja...
- Casa comigo.
Suspirei.
- Aham – nem
olhava para ele. Estava exausta.
Ele abriu a
caixinha e lá estava uma pedra gigantesca em cima de um aro prateado. Meu
coração nem se moveu.
Passei pelo
bloco que tinha se tornado o corpo dele pra mim e sentei no sofá da sala. Meu
vinho me parecia a coisa mais interessante naquele dia todo. Naquele momento,
eu tinha cinquenta anos. Tinha perdido uma parte da minha vida com algo que não
daria em nada. E eu era amarga.
Ele veio atrás
de mim, se sentou, disse um milhão de frases que eu não fazia ideia do que
queriam dizer. Ele deve ter falado por uns cinco minutos direto. Eu só queria
saber dos movimentos que o líquido em minha taça fazia. Suspirei e olhei pra
ele. Ele continuava falando. Voltei ao vinho.
Levantei do
sofá e comecei a ir pra cozinha, mas ele me segurou firme pela mão e disse as
primeiras palavras que ouvi aquele tempo todo:
- Estou
falando com você.
Virei devagar
para olhar em seu rosto. Havia algo ali. Meu coração voltou a pulsar.
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