26 de dezembro de 2012


Feliz? Natal

- Pronto. – liguei o pisca-pisca na tomada e a árvore começou a cintilar.
- Parece carnaval. – ele franziu a testa, observando o cone verde de cima a baixo e parando de zapear a TV pela primeira vez em cinco horas.
Revirei os olhos, exausta. Faltavam duas horas para os convidados chegarem para a ceia. O peru infestava o apartamento com ar de manjericão e ervas finas e aquilo tinha cheiro de problemas em iminência. Durante o dia todo eu tinha trabalhado feito uma escrava para dar um jantar que nem tinha sido ideia minha.
Lembrava-me das minhas histórias de pré-relacionamento sério. Era tudo tão bonito. O coração que batia mais forte, esperando um olhar que poderia vir ou não, um beijo que poderia acontecer ou não. Agora, todos os dias eu chegava em casa, exausta, e lá estava ele com os pés pra cima, lendo jornal ou vendo um documentário sobre a importância dos bebês-foca pro funcionamento natural das fábricas de colchões. Não havia mais surpresa, não havia mais aquilo que me prendia e me queria ver e esperar pelo mais. Não havia mais primeiros beijos, suspiros ou o que me fazia ter vontade de ligar pras amigas de madrugada. Ele era o meu lugar comum e minha rotina.
Olhei a sala e a única coisa que eu tinha pedido pra ele fazer (juntar os jornais espalhados na mesinha de centro) continuava como se não houvesse sido dita uma palavra sobre aquilo.
- AHR! – urrei, jogando no chão o pano que carregava nos ombros. Marchei firme até o quarto e bati a porta.
Deitei na cama e cobri os olhos com um dos braços. Conseguia sentir as gotas quentes de ódio encharcando meu punho. Então era isso, depois de quatro anos e meio (nem era tanto tempo assim, meu Deus!), a gente finalmente chegara ali.
Vê: nos tornamos tão corriqueiros que o que me restou para criar uma história foi a minha crise histérica na véspera de Natal. Isso me fez chorar mais. Ouvi o som da porta se abrindo.
- Sai daqui.
Passos na minha direção.
- Sai.
A cama se afundou um pouco ao meu lado.
- Sai.
- O que você está fazendo? – ele disse, calmo.
- Imaginando como seria se você não estivesse aqui.
- Por que você tá tão nervosa? – aquele tom de voz! Cristo, ele nunca aprendia, não é mesmo?
- Sai.
Ele se levantou e saiu. Assim mesmo. Ele não lutava por mim mais, simplesmente cansou. E me cansou junto. Arrastei meu corpo lento até o guarda-roupa e levei o vestido que tinha separado pra usar naquela noite até o banheiro. Sentei no canto do box e deixei a água do chuveiro carregar meu cheiro de comida e todo o peso que nunca ia sair dos meus ombros, enquanto eu cismasse em brigar comigo mesma por um relacionamento morto desde o momento em que decidimos dividir um apartamento.
- Estamos nos “juntando”? – sorri, imaginando que aquele fosse o primeiro gesto que mostrassem que ele realmente me queria para todo o sempre, assim como eu o queria.
- É – ele riu. –, pode ser...
“Pode ser”. Eu devia ter visto ali que o que ele queria mesmo era alguém pra dividir o aluguel, não uma companheira. Eu já devia ter aprendido.
Sair da posição fetal precisou da força de cinco mil exércitos e mover cada músculo parecia uma tarefa que precisaria de quatro noites de sono pra recompensar. Quando enfim consegui me deixar minimamente apresentável, o relógio se esganiçou e percebi que faltavam trinta minutos pros convidados chegarem. Respirei fundo e abri a porta. Ao meu primeiro passo, chutei algo contra a parede do corredor. Meu coração fez que ia acelerar quando baixei os olhos ao nível do chão e uma caixinha pequena estava lá, me observando.
Passei direto por ela, eu não queria abrir e descobrir um par de brincos. Entrei na sala. Os jornais estavam organizados. Continuei andando, meu coração continuava da mesma forma. Passei por mais uma porta e me vi na cozinha. Tudo o que me faltava fazer estava pronto. O peru já tinha sido tirado do forno, a salada estava montada, as comidas em tigelas bonitas. Não me impressionei, continuava apática. Me servi de uma taça de vinho, guardei a garrafa em seu lugar de origem e me voltei à porta, pronta pra sentar no sofá e esperar as pessoas. Ou a morte. Ou uma briga colossal. O que viesse primeiro. Mas ele estava lá, parado. O cabelo curto ainda meio molhado do banho, vestia a roupa que tínhamos comprado juntos, numa das últimas vezes que parecemos um casal. Não sorria. Olhava a caixinha em suas mãos.
- Você não quer?
- Não preciso de brincos. – tomei toda a minha taça e já abria a garrafa de novo para o refil.
- Não são brincos.
- Pulseira, que seja...
- Casa comigo.
Suspirei.
- Aham – nem olhava para ele. Estava exausta.
Ele abriu a caixinha e lá estava uma pedra gigantesca em cima de um aro prateado. Meu coração nem se moveu.
Passei pelo bloco que tinha se tornado o corpo dele pra mim e sentei no sofá da sala. Meu vinho me parecia a coisa mais interessante naquele dia todo. Naquele momento, eu tinha cinquenta anos. Tinha perdido uma parte da minha vida com algo que não daria em nada. E eu era amarga.
Ele veio atrás de mim, se sentou, disse um milhão de frases que eu não fazia ideia do que queriam dizer. Ele deve ter falado por uns cinco minutos direto. Eu só queria saber dos movimentos que o líquido em minha taça fazia. Suspirei e olhei pra ele. Ele continuava falando. Voltei ao vinho.
Levantei do sofá e comecei a ir pra cozinha, mas ele me segurou firme pela mão e disse as primeiras palavras que ouvi aquele tempo todo:
- Estou falando com você.
Virei devagar para olhar em seu rosto. Havia algo ali. Meu coração voltou a pulsar.

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