16 de dezembro de 2011


Enter Sandman

Ele via o rosto dela em todos os lugares: no trânsito, no escritório, no elevador, nas festas, nos sonhos. Aquilo deixava os nervos dele em frangalhos, pobrezinho. Às vezes ele até atravessava a rua quando via alguém parecida com ela – mas, assim que desse, virava para trás na esperança de encontra-la o olhando de volta. Aqueles olhos cor de areia.

Areia movediça.

Com o tempo, ele parou de se abalar e começou a ficar furioso. Dane-se ela, dane-se tudo que lembra ela, dane-se essa minha vidinha de merda, dane-se, dane-se, dane-se dane-se dane-se

A próxima coisa que ele sabia é que estava sentado em uma mesa de almoço com a família em um desses domingos ensolarados, perfeitos para fazer uma macarronada ao molho de discussão familiar.

Ele se levantou da mesa. Ergueu seu copo cheio de refrigerante em uma mão e bateu gentilmente nele com um talher aleatório, chamando a atenção de todos. Seus parentes voltaram-se para ele, exasperados, rezando internamente pra que ele não trouxesse à tona o aquele assunto. Ela.

- Estou me mudando para o Alasca.  – ele anunciou quando todos estavam prestando atenção nele.

Alguns segundos se passaram e nada. Sua mãe, finalmente, soltou uma risada alta e incrédula, típica de gente desesperada.

- Que é isso, menino? Come logo esse macarrão e não tenta fazer piada mais não!

Ele sentou-se, vitorioso. Aos poucos a mesa voltou ao normal, mas a sua vida nunca mais seria a mesma. Ele estava decidido. Nada disso de vê-la no meio da multidão. Nada disso de ouvir a voz dela. Ele já tinha a solução perfeita.

Dias e dias depois, lá estava ele no Alasca. Deixou uma mãe chorosa, um pai indignado e uma família com um assunto para discutir pelos próximos cinquenta domingos ensolarados. Fez um iglu sozinho. Não queria nenhum contato humano. Vestiu-se com vários casacos, guardou peixe para consumir durante uma semana inteira e, finalmente, entrou na sua nova casa e encarou a parede.

Tudo tão nu, tão branco e tão brilhante. Tudo tão nada. O frio ia consumindo aos poucos suas camadas de roupa, mas ah, nada que ele não soubesse lidar. Era bem melhor aquilo do que ser tragado por aquela areia que o perseguia até durante o sono.

E o silêncio? Nenhum murmúrio, nenhum som – nem o do vento soprando. Nada para ser confundido com alguma espécie de voz humana. Ele quis suspirar, mas se conteve. Não queria confundir seus sentidos que já estavam acostumados a associar qualquer coisa a ela.

Até que, depois de minutos de silêncio, ele notou um som que sempre esteve ali, mas que lhe passava despercebido. Sua audição, agora aguçada, só conseguia ouvir BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM – aquilo tudo preenchia seus ouvidos, tudo martelava, tudo tremia, todas as paredes que ele construiu na própria mente caíram aos pedaços e se desfaziam feito pó. Feito areia.

Congelado de frio de pânico, tentou buscar a origem daquele som. Olhou em volta. Olhou rapidamente o lado de fora. Revistou suas próprias roupas e, quando colocou a mão no zíper do primeiro casaco, ele notou.

BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM
BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM
BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM
BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM
BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM BOOM

Ele finalmente suspirou, derrotado. Fora tão ingênuo na sua intensa vontade de se isolar de tudo que conhecia que o lembrava dela que acabou se esquecendo do principal causador de toda aquela droga. Foi preciso ele estar completamente isolado para ouvir aquele bastardo.

Abriu o casaco e levou a mão ao peito.

Seu coração ainda batia.
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merda!

3 comentários:

  1. Puta merda, izzle! Que conto lindo. Que isso, muito fofo!

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  2. caraio, MUITO FODA! pensei que, por algum acaso, ele ia encontrar a dona dos olhos cor de areia no Alasca LOL

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