25 de outubro de 2011


João

Noite de Natal. João caiu em um sono bom e logo despertou em um sonho novo. Ao contrário do que estava acostumado, ele não caía na água e era pego por uma contracorrente e depois lançado no abismo e nem morria queimado depois de tentar sair de um prédio em chamas. Apesar de não estar nessas situações de perigo e morte que sempre envolviam seus sonhos, o cenário de hoje também não era muito confortante. Depois de chegar em casa, jogar as chave para um lado e cair na cama com as roupas do corpo, João acordou em um cômodo absolutamente branco, cercado de quatro paredes frias e duras que o encaravam com hostilidade. Viu-se sentado em uma das quinas vestindo calça jeans e camiseta e estava com uma leve dor de cabeça. “Fico de ressaca até em sonho”, pensou.
Levantou-se do chão meio cambaleante, mas logo recobrou o equilíbrio. Ele sabia que era um cara esperto o suficiente para não se apavorar com mais um sonho bobo. Foi então que se lembrou de uma tática que sempre usava em meio ao caos de seus sonhos comuns: ignorava todo o resto, deitava em um cantinho qualquer e dormia, dentro do próprio sono. Tinha mestrado em sono, se você quer realmente saber. Recuou em direção à quina e já ia se deitar quando uma de suas mãos tocou a parede e dela saiu um som. Deu um pulo para longe e verificou que, além do som, a parede tinha ficado marcada com diversas cores no local exato onde havia encostado. Ficou alguns segundos parado analisando e resolveu passar o dedo pela parede mais uma vez.
Imagine qual não foi a sua surpresa quando do seu dedo saíram cores e mais cores que tomavam a forma da sua imaginação! Bastava tocar aquele quadro branco e as coisas se pintavam, sem encontrar empecilhos. Imaginou uma árvore, tocou o quadro e lá estava ela, em mil tons de verde e amarelo, se agitando com o vento. Pensou em uma floresta inteira, com riachos e passarinhos e, em segundos, a mata se materializou na sua frente. Ficou tão empolgado com a novidade que resolveu olhar de perto o tronco das árvores. Aquilo era incrível! O vento bateu mais forte e aquele lugar o impressionou mais uma vez: uma das folhas que tinha criado se desprendeu do quadro e planou até atingir o seu pé. Percebeu que além de dar forma a sua imaginação, podia dar vida! Abraçou uma das árvores e puxou com força, até fechou os olhos! Quando abriu, um salgueiro dos grandes estava plantado no centro da sala, exalando o perfume de sua madeira.
Correu para outra parede e imaginou suas comidas preferidas: macarronada com queijo, pizza, batata frita, sem falar nas garrafas de refrigerante e outras bebidas. Só podia ser mesmo um sonho: ele desenhava garrafas e garrafas de cerveja e depois tomava cada uma delas sem pagar um centavo.
Achou o silêncio monótono e criou uma caixa de som. Ela tocava exatamente o que a imaginação dele pedia. Podia controlar o volume da maneira que quisesse e alternar estilos sem que ninguém o criticasse. Logo depois, fez a maior e mais confortável cama que jamais vira. Lotou de travesseiros, perfumou os lençóis e até pensou em um criado para apoiar pratos e copos. Ficaria dias e dias ali, dormindo e comendo.
Criou uma infinidade de coisas dentro do cubo branco, até que se cansou. Sentou-se embaixo da árvore, sentiu a barriga cheia e o cheiro da floresta. Aquilo era o paraíso! Queria cochilar um pouco, mas sentiu medo de fechar os olhos e tudo ir embora.
Ficou lá por mais um tempo, descansando, e sentiu um arrepio de frio. Empurrou as árvores para dentro da parede, como se aquilo equivalesse a fechar uma janela, mas de nada adiantou. Olhou para cima e notou que, ao invés do teto, havia uma abóbada gigante, azul e roxa. Era o céu, indo até o infinito e voltando.
Não queria admitir, mas começou a se sentir só. Foi até uma das paredes e criou uma mulher. Desenhou as curvas dos ombros e dos quadris e os cabelos escuros e ondulados, depois tocou em sua mão e ela se materializou no quarto. Era linda! Assim que o viu, deu-lhe um abraço, acariciou o seu cabelo e o beijou longamente. Comeram juntos, conversaram um pouco, mas logo aquilo tudo perdeu a graça. Ela fazia e dizia exatamente o que ele imaginava e ele já estava ficando entediado.
Empurrou-a gentilmente para dentro da parede e ela voltou a ser só um desenho. Quem sabe um dia não a chamava para sair de novo? Foi tomado por um sono repentino e adormeceu, envolvendo os milhares de travesseiros que criara. Acordou, como temia, na própria cama, com muita dor de cabeça e com as roupas fedidas do dia anterior. O sol estalava do lado de fora e ele estaria atrasado para o trabalho, se tivesse um.
Lembrou do sonho insano que tinha tido, mas não lamentou muito ter saído de lá. Tinha recriado a própria vida lá dentro: as mesmas comidas e bebidas de sempre, uma cama grande e confortável como a dele, uma caixa de som particular que tocava o que ele quisesse na hora que ele quisesse e no volume que ele quisesse, e uma mulher ou outra, para quem ele podia ligar quando tivesse vontade.
Levantou meio trôpego, abriu a geladeira e comeu um pedaço de pizza velho. Sentou na frente da televisão e ficou vendo as cores passarem de lá para cá.
Continuou pensando e pensando no sonho e uma pergunta passou a rondar sua cabeça: e se tivesse criado amigos?



*Esse conto foi feito especialmente para vocês, meus amigos da equipe do We Like Nerds, que me emprestaram suas palavras preferidas e suas melhores noites de sábado a noite! Amo vocês!

2 comentários:

  1. é permitido ter vontade de chorar com isso? PORQUE OLHA..............

    beautiful as always, Isalinda. ♥

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  2. minha prima deita!! ;D

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