6 de setembro de 2010


Amendoim

Como sempre, ele tocava Beethoven. Ela sabia qual nota viria a seguir, embora não soubesse nomeá-la. Já tinha deitado no chão e recostado a cabeça no pianinho de brinquedo. Nenhum olhar fora dirigido a ela, era como se não existisse... pra variar.
- Eu sei que, no fundo, você também me ama – ela sorriu com os olhos, mesmo que estivessem fechados.
Recebeu, como resposta, a continuação daquela sinfonia, a mais doce que já ouvira até então, a que regeria o filme da sua vida junto a ele.
Tinha um céu azul lá em cima no lugar do habitual teto branco, e uma trilha sonora ressoava ao fundo, mas não era ele quem tocava, pois sua mão estava entrelaçada na dela.
No início, tudo aquilo fora só uma forma de chamar a atenção dele, como um desafio, não suportava aquela indiferença. Ninguém era indiferente a ela. Podiam odiá-la, mas não ser indiferente, ora essa. Começara como um passatempo, e ela não sabia ao certo quando tomara aquelas proporções.
Por um tempo, se odiou por ser tão teimosa: se tivesse aceitado a derrota e visto que nem sempre dá pra conseguir a atenção de todos, provavelmente não teria começado a gostar dele. No final das contas, deu certo, não deu? Alargou um pouco mais o sorriso.
Sentia a pele pinicando a sua de um jeito gostoso. Fazia cócegas. Notou que ele também sorria, não se lembrava da última vez que vira aquele sorriso. Ele nunca sorrira por causa dela. Isso quase fez as pontas de sua boca tocarem o lóbulo das orelhas.
Tinha uma rua lá embaixo, porém, mal era possível senti-la. Quase flutuava. Seu vestido azul dançava com o vento, suas sapatilhas deslizavam onde pisavam, sentia-se capaz de tudo com aquela mão segurando a sua.
De repente, a música cessou. Sentiu a gravidade e seu corpo bateu contra o chão com força. Estava de volta ao quarto, com a cabeça no pianinho. Virou para o lado, como se procurasse alguma explicação, encontrou somente o olhar rígido do busto de Beethoven. Fitou o teto mais uma vez e suspirou.
- Eu sei que, no fundo, você também me ama – repetiu para si mesma.
A imensidão branca que preenchia seus olhos se quebrou com a invasão de uma porção de fios loiros. Lucy ergueu o queixo um pouco mais, de modo a incluir o rosto em seu campo de visão.
- Você dormiu – Schroeder estava debruçado sobre o piano.
Não era uma pergunta, mas ele parecia esperar que algo fosse dito em resposta. Moveu a boca, no entanto, nenhum som saiu. Schroeder continuava encarando-a, piscando para ela, por um tempo que pareceu durar uma eternidade.
E, no final da eternidade, ele se inclinou um pouco e tocou seus lábios na ponta do nariz de Lucy, pouco antes de Beethoven voltar a ecoar e o céu azul quase se tornar realidade.

Lucy e Schroeder são personagens de Charles M. Schulz e fazem parte da série Peanuts. (daí o nome do conto/fic/como queira chamar) Lucy é apaixonada por Schroeder, mas ele só quer saber de sua música e detesta a garotinha, como você pode ver na tirinha a seguir.



Por Gabi.

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