Não quero ser clichê

      

      Fixei meus olhos na equação à minha frente. Poucos números, muitas letras. Não era complicada, nem um pouco; em um minuto eu a terminaria e  com toda certeza encontraria a reposta correta. Meus colegas de sala pensavam e procuravam com afinco a tal resposta. Era engraçado o quanto eles encontravam dificuldade em resolver uma simples equação daquela. Quero dizer, era divertido saber que eu, por ser mais inteligente que o resto da turma, sempre os enxergava daquela forma. Não burros, só “normais”.

      Olhei para o lado e a garota que era minha dupla também já tinha acabado. Ela sempre ficava em segundo lugar no ranking de notas, logo atrás de mim. Quando havia algum trabalho os professores sempre nos juntavam. Diziam que se fosse diferente as nossas respectivas duplas copiariam nosso trabalho. Apesar de estudarmos juntos há dois anos, nunca conversamos algo que estivesse fora do assunto da escola. Ela, assim como eu, só conseguia conversar tranquilamente com os amigos. Decidi mudar essa regra.

- Hum, Bia, você vai à excursão da escola semana que vem?

 Eu sei, a frase foi péssima para começar um assunto, mas fazer o quê?  Eu não estava acostumado a fazer amigos e muito menos (mesmo!) flertar. Até hoje eu só havia beijado uma menina. A situação havia sido tão esdrúxula, na verdade, que eu nem considerava aquilo como um beijo de verdade.

-Oi, o que você disse, Miguel?

 Pois é, odeio quando isso acontece. Agora ela tá ali, me olhando de um jeito que diz “Você é maluco? Desde quando a gente conversa?" e eu não sei se devo repetir a pergunta ou falar o velho e conhecido "Nada não". Qual é menos pior?

 - Eu só perguntei  se você vai nessa excursão do colégio semana que vem...

 -Vou.

  Ela só disse isso, "Vou". Tudo bem, certas pessoas não conseguem continuar um assunto, mas ela poderia ter feito um esforço. Quero dizer, se ela acrescentasse um "E você, vai também?”, não teria doído.

 -Eu vou, caso você queira saber.

Mais um ponto para o idiota aqui! Está claro que ela não quer conversar comigo. Eu ainda estava cogitando a hipótese  de chamá-la para sair!

      A aula acabou e Bia não disse nenhuma outra palavra além do maldito "Vou". Eu juro que fiquei revoltado com toda essa grosseria dela. Tudo bem se você não quer sair com alguém ou até mesmo fazer amigos, mas falta de educação eu não aceito. Corri em direção a ela que já chegava ao estacionamento de bicicletas. Eu merecia uma justificativa para todo esse "rancor". Será que o motivo era o meu "eterno" primeiro lugar nas notas? Não era possível!

 Cheguei ao lado dela arfando pela corrida. Vamos lá, eu não sou um adolescente atleta ou algo assim; eu sou um nerd! Aquela corrida realmente acabou comigo.

 -Você precisa fazer exercícios, Miguel. Por favor, não fortaleça o estereótipo arcaico do nerd gordo, feio e encalhado.

- Se eu começar a malhar você aceita sair comigo? Quero dizer, feio eu não sou. Dessa forma eu não seria mais um clichê.

 Merda! Eu realmente a chamei para sair? Eu fui ali para brigar com ela! Agindo como um idiota de novo, parabéns Miguel! Prepare-se para o fora.

 -Oito horas no cinema, sábado. E você paga o ingresso.

Por Mariana. 

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